Estudo da OCDE faz retrato da profissão docente
Andreia Lobo 02-07-2014
Pesquisa internacional mostra que 68% dos professores são mulheres, 91% têm formação superior, 82% trabalham a tempo inteiro, durante 38 horas por semana e com turmas de 24 alunos.
Em algum momento da nossa vida, todos fomos alunos de alguém. Por isso, quando os professores são notícia facilmente recordamos a nossa sala de aula e quem nos ensinava. A “stora” de História que nunca faltava. O “prof.” de Geografia que “dava matéria” até às vésperas dos testes.
Depois há ideias generalizadas. A docência vista como uma carreia onde se entra por falta de melhor opção. Ou uma profissão aliciante por conceder mais tempo de férias que os outros ofícios. O professor sozinho numa sala com mais alunos do que aqueles que consegue controlar.
Saber quais são as reais condições de trabalho nas escolas permite desmistificar algumas destas visões sobre a docência. Quem são os professores e os diretores das escolas? Que formação têm? Estão confiantes nas suas capacidades? O que fazem durante o horário de trabalho? Como reagem à avaliação do seu desempenho?
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) dá estas respostas na sua mais recente pesquisa internacional, o “Teaching and Learning International Survey” (TALIS 2013).
Perfil do professor
No 3.º ciclo do ensino básico, o número de mulheres a ensinar supera o dos homens, nos 30 países estudados pela OCDE, exceto no Japão. De facto, em 22 países, pelo menos dois terços dos professores são mulheres. Portugal supera a média (73,2%).
A média de idades do corpo docente ronda os 43 anos; em Portugal, os 45. Segundo a OCDE, isto significa que em muitos sistemas de ensino vão continuar a faltar professores, à medida que um grande número se aproxima da reforma.
Assim, mais de um terço dos inquiridos diz trabalhar em escolas onde há falta de professores qualificados, com preparação para atender a alunos com necessidades educativas especiais e funcionários. Outro dado diz que os professores portugueses passam mais anos a trabalhar (19,4 anos) que a maioria dos seus colegas (16 anos).
Apesar de haver mais docentes do sexo feminino, os homens ocupam metade dos lugares de liderança nas escolas. A maioria dos diretores tem formação superior, três em cada quatro nas áreas da administração escolar, formação de professores ou liderança.
Sobre as funções que desempenham nas escolas, 41% dizem ocupar-se essencialmente com a gestão de recursos humanos e materiais. Quem tem mais formação ao nível da liderança diz passar mais tempo com tarefas relacionadas com os currículos e a avaliação de professores, onde se inclui a observação de aulas.
Confiança e competência
Em 2013, o anúncio de Nuno Crato, ministro da Educação e da Ciência, que o número de alunos por turma ia aumentar de 28 para 30, do 5.º ao 12.º ano, foi um pesadelo para os professores portugueses.
Mas quando a OCDE pergunta aos professores se o tamanho das turmas influencia a satisfação ou eficácia do seu trabalho, a resposta é inesperada. Não é o número, dizem os docentes, antes o tipo de alunos, caso dos que têm problemas comportamentais, que determina a qualidade do seu ensino.
Entre 80% a 92% dos inquiridos acreditam estar bem preparado para a tarefa de ensinar. Os professores da República Checa, Japão, Coreia, Noruega e Espanha, contudo, apresentam níveis mais baixos de confiança.
Pelo contrário, os mais confiantes nas suas capacidades são os docentes da Dinamarca, França, Itália, Letónia, Singapura, Suécia, Emirados Árabes e Bélgica (Flandres). Revelam menos confiança em si mesmos quem tem turmas onde um em cada dez alunos tem fraco aproveitamento ou mau comportamento. Sobretudo, porque gastam mais tempo a manter a turma em ordem do que a ensinar.
Em Portugal, os docentes mostram-se confiantes nas suas capacidades: 99% dos inquiridos afirmam estar a ajudar os seus alunos a valorizar a aprendizagem (contra uma média de 80,7% da OCDE); 97,5% dizem contribuir para o desenvolvimento do seu pensamento crítico (80,3% é a média da OCDE) e 94,1% mostram-se satisfeitos com o seu trabalho, ficando acima da média de 91,1% da OCDE.
Entraves à formação
O corpo docente está bem formado e a maioria dos inquiridos afirma ter estudos de nível universitário. “Mas por melhor que seja a formação inicial não se pode esperar que prepare os professores para todas as mudanças durante a sua carreira”, alerta a OCDE. Entre a oferta de formação contínua e a possibilidade de participação docente nela, existem alguns conflitos a superar.
Segundo o TALIS, 51% dos professores dizem que o horário de trabalho não lhes permite fazer formação; três em quatro professores no Japão (86%), Coreia (83%) e Portugal (75%) queixam-se do mesmo. Cerca de 48% dos professores da OCDE não se sentem incentivados a frequentar programas de desenvolvimento profissional. Em Portugal, o número ascende aos 85%, em Itália, 83% e em Espanha, 80%. Para 44% dos professores fazer formação é demasiado caro.
Atividade letiva
De um modo geral, os professores que responderam ao TALIS trabalham 38 horas por semana. Mas o horário pode oscilar entre as 29 horas, como acontece no Chile e na Itália, e as 54 horas, no caso do Japão. A divisão do horário de trabalho semanal varia entre os países da OCDE, mas 19 horas são dedicadas à atividade letiva. De novo, o tempo passado em aulas pode oscilar entre as 15 horas, na Noruega, e as 27, no Chile.
Ainda assim, metade dos professores diz passar 80% do seu tempo a ensinar. No Japão, os docentes revelam lecionar apenas 18 horas por semana, o que significa, segundo a OCDE, que passam mais tempo que os seus colegas em outras tarefas além do ensino. Pelo contrário, os professores em Alberta (Canadá) passam em média 26 horas a ensinar, no Brasil 25 horas, no Chile e nos Estados Unidos da América 27 horas.
Em Portugal, durante uma semana de trabalho os professores passam mais tempo a dar aulas que os colegas da OCDE (21 horas), a preparar aulas (9 horas), a marcar e corrigir trabalhos de casa (10 horas) e a manter a ordem na sala (15,7%). Cerca de 75,8% dos professores portugueses passam menos de metade do tempo letivo, efetivamente, a ensinar os alunos.
Outras atividades
Mais tempo na sala de aula, pode significar menos disponibilidade para outras atividades, alerta a OCDE, como preparar aulas, marcar trabalhos de casa ou atender os pais. De facto, sete horas por semana é o tempo médio passado na planificação de aulas, dizem os professores (cinco horas na Finlândia, Israel, Itália, Holanda e Polónia; 10 horas na Croácia).
Marcar e corrigir trabalhos para casa dos alunos é uma tarefa que ocupa, em média, cinco horas por semana, entre os países da OCDE (10 horas em Portugal, 9 em Singapura). Duas horas são destinadas às tarefas administrativas, às atividades extracurriculares e ao atendimento aos encarregados de educação.
Indisciplina
Em metade dos países inquiridos pelo TALIS, um em quatro professores gasta 30% do tempo de aula a resolver problemas disciplinares da turma e em tarefas burocráticas. Tempo que no Brasil, Chile, Malásia e Singapura ocupa 40% da duração da aula, a um em cada quatro professores.
Quando se trata de manter a ordem na sala de aula, um em cada dois professores no Brasil, Malásia e Singapura diz perder 15% do tempo que deveria estar a ensinar a resolver estes problemas; apenas 5% é o tempo que um em cada dois professores gasta a fazer o mesmo na Bulgária, Croácia, República Checa, Estónia, Letónia, Polónia e Roménia.
No total de países, um em cada três docentes admite “perder muito tempo” com os problemas de comportamento da turma e à espera que os “alunos se acalmem para dar a aula”. Um em cada quatro (26%) queixa-se de que os alunos fazem demasiado barulho na sala de aula.
Avaliação
Reconhecem a utilidade da avaliação e do retorno que recebem sobre o seu desempenho. Seis em cada dez professores, inquiridos pelo TALIS, dizem que o facto de terem sido avaliados mudou de forma positiva a maneira como lecionam. Mais de metade acredita que melhorou também o modo como avaliam eles próprios os seus alunos. Oito em cada dez professores referem que na sua escola o processo de avaliação docente originou a planificação de alguma ação de formação.
No entanto, o impacto da avaliação é pouco evidente nos inquiridos. Quase metade reporta que a avaliação e o retorno sobre o seu desempenho, foi “realizada simplesmente para cumprir requisitos administrativos”. Os aumentos salariais são concedidos anualmente à margem dos resultados bons ou maus na avaliação em quase todas as escolas da OCDE, exceto numa em cada cinco. Cerca de 44% dos professores dizem que na sua escola a avaliação nunca resulta num avanço na carreira.
Os professores recebem retorno formal ou informal sobre o seu desempenho de várias maneiras e de diversas fontes. Quase 80% recebem feedback com base na observação que é feita às suas aulas, dois terços referem que o retorno sobre a sua prática tem por base os resultados obtidos pelos alunos nos testes. Nove em cada dez professores dizem que no retorno que recebem dos avaliadores é feita referência à sua competência pedagógica para lecionar a disciplina e ao modo como gerem a turma.
Entre os professores portugueses, 38,5% viram a avaliação a que foram sujeitos resultar num aumento do número de horas passadas em atividades de desenvolvimento profissional (45,8% média da OCDE). Apenas 48,9% dizem que o retorno recebido melhorou a sua prática profissional (62% média da OCDE).
O que é o TALIS?
O “Teaching and Learning International Survey” (TALIS 2013) recolhe dados comparáveis sobre o ambiente escolar e as condições de trabalho dos professores em escolas a nível mundial. São inquiridos professores do 3.º ciclo do ensino básico (7.º, 8.º e 9.º anos) de escolas públicas e privadas e os diretores. Para cada país foi arbitrariamente recolhida uma amostra de 20 docentes e respetivo diretor, de um universo de 200 escolas. Cerca de 106 mil professores responderam ao inquérito, representando quatro milhões de professores de mais de 30 países e economias pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
O TALIS foi aplicado pela primeira vez em 2008, em 24 países. Na recolha de dados são utilizados questionários separados, em papel e em versão online, para os professores e os diretores. A duração é de 45 a 60 minutos, e as perguntas debruçam-se sobre as características dos professores, o ambiente de trabalho, liderança, oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, avaliação e retorno, práticas pedagógicas, autoeficácia e satisfação com o trabalho desenvolvido.
O TALIS foi aplicado pela primeira vez em 2008, em 24 países. Na recolha de dados são utilizados questionários separados, em papel e em versão online, para os professores e os diretores. A duração é de 45 a 60 minutos, e as perguntas debruçam-se sobre as características dos professores, o ambiente de trabalho, liderança, oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, avaliação e retorno, práticas pedagógicas, autoeficácia e satisfação com o trabalho desenvolvido.
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