Escrito por Eduardo Sá Quarta, 04 Dezembro 2013
Onde
falham os pais diante duma birra?
1. As birras fazem parte da quota de parvoíce
a que todas as crianças saudáveis têm direito. De preferência, chegam, a
pretexto de uma coisa sem importância, com a fúria dum tornado, e arrasam
qualquer neurónio que se mexa com a força dum tsunami. Uma birra é, digamos
assim, uma moção de censura com o “volume no máximo”. E - há quem garanta –
representa uma forma encriptada de dizer a quem se ama: “Por isso sai, sai da
minha vida”...
Que ninguém pense que as birras são um jeito personalizado de massacrar,
unicamente, os ouvidos dos pais! As birras põem a cabeça em água a qualquer um;
também a quem as faz. E, se há um efeito de surpresa na primeira birra, com que
se mete a mãe ou o pai no bolso, com as seguintes dá-se lugar a reações tão
desgarradas de toda a gente que a vida, à boleia das birras, se transforma numa
espécie de desporto radical que varia entre a montanha russa e o
comboio-fantasma. Uma canseira, portanto.
Seja como for, gosto desse jeito, com um certo tom de “velocidade furiosa”,
que qualquer birra que se preze traz consigo. E do esgar, passageiro, que (por
causa dela) se lança sobre os pais e que, tendo legendas, devia trazer, em
letras pequeninas: “Se não fosse por nada, limpava-te o pó!...”. Uma birra é
assim como um choro com tunning: em vez de ser ir dos zero aos 100 sem se ouvir
o motor, ela traz a “música” dum escape que vem do mais fundo do coração.
Aliás, se não corresse o risco de ser mal interpretado, tornava obrigatório que
os pais de crianças amigas da birra tivessem nas costas um carimbo que as
atestasse como “produtos de qualidade”. Porque quem não faz birras não tem
alma.
2. Seja como for, apesar da alma com que vêm
equipadas, há uma fúria do género: “Quantos são, quantos são?...” que
transforma quase todas as birras num desastre. As birras, embora tenham metade
de vómito (da ira) e metade dum apelo do género: “Orientem-se!! Vocês é que são
os pais...”, são uma “alta produção”, esgotante e dispendiosa. Até porque birra
que é birra vem acompanhada com imensos “efeitos especiais”: há quem se atire
para o chão, quem bata em si próprio (porque o pai é um adversário doutro
campeonato...) e quem fi que tão “toiro enraivecido” que pareça, isso sim...
“possuído”. Mas, há que dar o mérito a quem o tem: uma birra é um espetáculo
muito ao jeito de “one man show”, só possível com o alto patrocínio... dos
pais. Não tanto porque eles, engolidos por uma birra, tenham desabafos como:
“chora para aí até te fartares” (que é uma forma de reconhecerem que num derby
entre o seu engenho de “caça-birras” e o cansaço dos filhos, depois de tantos
gritos, eles nunca apostam na tripla). Ou, pior, fazendo com que as suas manhas
de mais velhos os levem a entrar ao despique, acabem a dizer: “Vamos lá ver
quem é que faz uma birra maior?!...”. Mas porque, bem vistas as coisas, nunca
se chega a uma birra que se preze sem que pais e filhos sejam dados, mais do
que parece, a embirrar.
3. Onde falham, então, os pais diante duma birra?
Em primeiro lugar, erram quando não definem regras claras para as
crianças se orientarem. Como, regra geral, os pais têm um coração muito grande
e adoram os filhos, tornam-se tão macios que se adequam mais a eles do que
exigem o contrário em relação a si próprios. Até uma altura em que se zangam
para que, depois, logo a seguir, sejam, outra vez, condescendentes em relação a
um comportamento que, de forma esporádica, reprimiram. Por outras palavras:
quanto menos as regras são coerentes e constantes mais as crianças se tornam
teimosas; e quanto mais teimosas mais birrentas.
Em segundo lugar, erram porque ficam tão presos às cenas feias
duma birra que nem reparam que só se chegou lá porque, antes, e de mansinho,
pais e filho estiveram entretidos num braço de ferro em relação a uma regra
qualquer. Como as “grandes produções”, parece que se pegam, muitos pais, diante
duma birra. Preferem “efeitos especiais” à gestão corrente, e insistem em
resolver a falta de regras com um só gesto (do género: “A partir de hoje!”), que
vale por uns minutos, esquecendo-se que uma birra é o resultado duma greve de
zelo às boas práticas de filho (que se acumula, em suaves prestações, todos os
dias). Isto é: quanto mais os pais insistem nos “choques fiscais” para resolver
uma birra mais birrentos, eles próprios, se tornam.
Em terceiro lugar, erram quando não reparam que uma birra tem um
bocadinho de vómito... Isto é (façamos as contas por baixo...): mal uma birra
começa, ninguém nos salva de dez minutos de “volume no máximo”... Que servem para
que a ira venha direitinha, qual lipoaspiração, do fundo da alma cá para fora.
Mas, depois desse bocadinho com que a casa parece vir abaixo, se a birra
continua, os pais estão intimados a zangarem-se em cima dela.
Por uma única razão: depois do vómito de ira, uma criança fi ca à
espera que os pais tenham a força e a clarividência que os leve a zangarem-se,
de forma serena e clara, definindo as regras segundo as quais uma birra se deve
orientar. Se, ao contrário, os pais ora fazem de conta que ignoram uma birra
(chora para aí...), rivalizam com ela (“queres ver quem tem mais força?..”),
fazem macaquices (e reproduzem as fi guras tristes dos fi lhos, na esperança de
meterem medo ao medo), ou acham que uma birra se cura se as crianças forem para
o quarto pensar antes, ainda, de a terminarem, ficando lá a pensar no que
fizeram (o que, à escala dos crimes de colarinho branco, equivale a mandar um
vilão para as Ilhas Caimão deitar contas à vida...) uma birra deixa a nu um
desamparo tão assustador que a última parte do choro já representa um apelo
mais do que outra coisa qualquer.
Portanto: dez minutos de birra chegam muito bem. Tudo o que for
para além disso, entra no contigente geral das regras duma criança: não se
negoceia, não se explica nem se justifica. Exige-se em função dos bons exemplos
que se dão. Avisa-se duas vezes e, à terceira, explica-se onde pára a polícia
(respirando para cima dum filho, abrindo-lhe os olhos, elevando o tom de voz e,
em casos excecionais, assumindo
- com os argumentos que a sensatez nos recomende - que as regras
dos pais fazem bem à saúde). Em quarto lugar, erram quando deixam que o depois
duma birra seja um “Deus nos acuda”. Uma birra magoa. E, por isso, é saudável
que os pais fi quem tão magoados com uma birra (ou, por exemplo, tão
envergonhados com as figuras que toda a gente acabou por fazer) que amuem e
“prendam o burro”. Dez minutos de amuo ainda vá... Mais do que isso é que já
não.
Porque amuo é birra virada para dentro. Logo, é um péssimo
exemplo. Se ficou triste, não faça de conta que nada se passa: diga mal da sua
vida, reconheça (se for o caso) que todos os pais perfeitos se tornam
stressados porque funcionam, ainda, como se quisessem ser filhos exemplares
mas, faça o que fizer, desabafe a dois, numa espécie de conclave de pais. Fúria
guardada é que não pode ser: porque quanto mais se educa para a conter mais se
empurra para o impulso.
E,
finalmente, erram porque conversam demais acerca duma birra com as crianças
Porque promovem tantas promessas no sentido dela nunca mais vir a acontecer e
falam de tantos meninos que não fazem birra que não há autoestima que resista.
Isto é: uma birra é também uma forma duma criança dizer, a quem de direito, “eu
não me suporto!”. Quer dizer: quanto mais se fala duma birra mais amigos dela todos
se tornam. Porque aquilo que sobra em “concertação familiar” acaba por faltar
em capacidade de decisão para voltar “à casa da partida”, pondo regras onde
prevalece a teimosia.
4. Em resumo:
As birras fazem bem à saúde. Aumentam o débito pulmonar. São
sinónimo de paixão.
E dum nervoso miudinho que varia entre um controle exagerado e um
impulso desbragado. Mas o melhor, de verdade, é que elas sejam tão de vez em
quando ,que até pareça que uma criança (ao contrário do que devia ser) não dá
problemas. Não sendo assim que esteja a acontecer nunca se esqueça que não há
crianças nervosas; há é, antes, pais com os nervos em franja. Ou, se preferir,
nunca é tarde para reconhecer que por trás duma criança difícil há sempre um
adulto em dificuldades!
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