Escrito por Teresa Diogo
Terça, 22 Julho 2014
As crianças precisam de demonstrações
físicas de afeto para se sentirem amadas e crescerem felizes. O toque ajuda-as
a gerir emoções, a aprender melhor e até a serem mais resistentes às doenças.
Já abraçou o seu filho hoje?
Mimo nunca é demais
Precisamos de quatro abraços por dia para
sobreviver, oito para manutenção do bem-estar e 12 para crescer. A quantização
é da conhecida psicoterapeuta norte-americana Virginia Satir e, embora possa
parecer exagerada face ao ritmo alucinado a que tantas vezes vivemos, a verdade
é que a necessidade do abraço é bem mais profunda – quase orgânica – do que
imaginamos.
“Os abraços são tão vitais para a saúde e
desenvolvimento das crianças como a comida e a água”, defende a psicóloga Ana
Margarida Marcão, da Oficina da Psicologia, explicando por que é o toque tão
importante desde cedo: “Um bebé reconhece os seus pais inicialmente pelo toque
e cerca de 80 por cento da sua comunicação é feita através do movimento
corporal. Portanto, é mais fácil comunicar com eles pelo contacto físico. Um
abraço ‘dirá’ à criança que ela é amada, querida, protegida e que está em boas
mãos, dando-lhe uma sensação de segurança de uma forma que as palavras não
conseguem”.
E este toque é primordial desde o primeiro
minuto para estimular o processo de vinculação, que vai refletir-se no desejado
desenvolvimento saudável e equilibrado da criança. “O contacto corporal
mãe-bebé, desde os momentos imediatos ao parto, resulta em efeitos positivos na
interação entre os dois, observados quer a curto quer a longo prazo”, confirma
a psicóloga clínica Carolina Martins Faria, do Gabinete de Psicologia,
acrescentando que “ao longo do desenvolvimento, as manifestações de afeto,
consistentes, previsíveis e sensíveis, são essenciais para a construção de laços
afetivos e para uma relação de confiança com os pais”. Além dos benefícios de
uma vinculação segura, “o conforto proporcionado pelo contacto corporal
(abraçar, tocar) é uma ferramenta importante na gestão emocional,
particularmente em crianças pequenas”. Ou seja, ajuda a criança a regular as
suas reações quando é confrontada com situações de stresse ou com emoções
negativas.
Mas os benefícios do toque não se limitam
apenas ao plano emocional: há todo um conjunto de efeitos positivos também a
nível físico que não devem ser menosprezados: “O afeto e cuidado transmitidos
através do toque aumentam os níveis de oxitocina no cérebro”, explica Ana
Margarida Marcão. A ocitocina (hormona libertada na corrente sanguínea) “relaxa
o corpo, diminuindo o ritmo cardíaco, a pressão arterial e os níveis de
cortisol”. O excesso de cortisol no cérebro (em resposta a situações de
stresse) “afeta o desenvolvimento do sistema límbico, que controla e gere as
emoções, e interfere também com a capacidade da criança para aprender e crescer”.
Assim, sublinha a psicóloga, “o toque tem um papel significativo na capacidade
da criança regular as suas próprias respostas ao stresse”. Um abraço promove
ainda “a libertação de dopamina (uma hormona que atua como um estimulante),
criando uma sensação de prazer no cérebro” e “reforça o sistema imunológico, ao
aumentar os níveis de hemoglobina (que transporta o oxigénio aos nossos órgãos
e tecidos) no sangue”. Afinal um abraço não é “só” uma reconfortante
manifestação de afeto, é um ato quase mágico, com um poder que tem tanto de
ancestral e profundo como de inesperado.
Dos
prematuros aos idosos
A investigadora norte-americana Tiffany
Field, diretora do “Touch Research Institute” do Departamento de Pediatria da
Universidade de Miami, estuda há mais de 30 anos o poder do toque ao longo das
várias fases da vida, desde o nascimento à velhice, e não tem dúvidas de que o
contacto físico é “muito importante”. “Desde o abraço à massagem, o toque tem
efeitos positivos na saúde, ajudando a reduzir a dor, a ansiedade e a
agressividade, promovendo a estimulação do sistema imunitário, melhorando a
saúde cardiovascular… e sem efeitos secundários”, afirmou à Pais&filhos. O
interesse da pediatra pelo toque surgiu, numa primeira fase, quando se debruçou
sobre os bebés prematuros e a forma como podem ser ajudados a ganhar peso.
“Descobrimos que os prematuros que recebem
massagens ganham peso mais depressa, respondem melhor aos estímulos sociais e
vão para casa mais cedo”, explicou. A partir daí, Tiffany Field e a sua equipa
têm realizado dezenas de estudos sobre os efeitos do toque, não só nos bebés
como ao longo de toda a vida. Um das suas investigações, publicada no “Early
Child Development and Care”, em 1999, concluiu que as crianças em idade
pré-escolar que recebem mais demonstrações físicas de afeto dos pais são menos
agressivas para os seus pares na escola.
Perante isto, valerá a pena refletir:
quantos abraços (não) damos aos nossos filhos na correria do dia-a-dia? Antes
de nos deixarmos amargurar com este pensamento, Carolina Martins Faria lembra
que “mais importante do que a quantidade, é proporcionar abraços e
manifestações de afeto enquadradas numa relação responsiva e sensível às
necessidades do outro. Isto é, os abraços devem surgir de uma forma adequada ao
contexto e aos sinais que nos são transmitidos pelo outro, respeitando as
caraterísticas individuais de cada um, de forma a não serem intrusivos e
percecionados como negativos”.
Isto é especialmente importante na
adolescência. Um abraço “imposto” à frente dos amigos pode ter um efeito oposto
ao desejado. “Os pares dos adolescentes são muito importantes para eles e eles
importam-se com o que pensam. Envergonhá-los à frente dos amigos é uma muito má
ideia”, lembra Ana Margarida Marcão. Não é que os adolescentes não precisem de
abraços, pelo contrário, mas é preciso respeitar toda a transformação que estão
a viver e que muitas vezes conduz a um desinvestimento no que diz respeito às
demonstrações de afeto entre pais e filhos.
“O confronto com a novidade, com um corpo
em transformação, com todo um novo mundo emocional (turbulento) e a
constituição de uma nova identidade, levam a que o adolescente necessite de
deixar os laços demasiado próximos com os pais e de interromper as ações
anteriores que com eles tinha”, explica a psicóloga, sublinhando, contudo, que
“existem muitas razões para abraçar um adolescente, incluindo os rapazes: eles
estão diariamente numa montanha russa emocional, não entendem realmente porque
sentem o que sentem e isso fá-los sentirem-se muito desconfortáveis. Um grande
abraço da mãe ou do pai pode ser muito benéfico, se dado corretamente”. Até
porque “os adolescentes precisam saber que podem contar com os pais” e abraçar
pode ser o suficiente para que se sintam seguros. Mas se esta aproximação
parecer mesmo desadequada, Tiffany Field lembra que há outras formas de
contacto físico menos “intrusivas” para o adolescente: “Eles adoram uma
massagem nos ombros, desde que lhes perguntemos primeiro!”.
Página 2 de 2
Mimo nunca é
demais
Por tudo isto, é natural que as
demonstrações físicas de afeto estejam mais presentes na infância, altura em
que as crianças estão mais dependentes dos pais e que a própria satisfação das
suas necessidades básicas implica um contacto mais próximo. “À medida que as
crianças se desenvolvem (física, cognitiva e emocionalmente), tendem a procurar
a independência dos vários adultos a quem estão vinculadas, diminuindo a
necessidade deste contacto físico”, diz Carolina Martins Faria. Em
contrapartida, “passam a necessitar de outras manifestações de afeto, verbais e
comportamentais, de maior complexidade, que as apoiem nos novos desafios das
etapas do seu desenvolvimento”. Outra das razões que pode contribuir para este
desinvestimento é a ideia de que “muitas demonstrações de carinho estragam a
criança com mimos”. “Esta ideia é errada, as crianças não são ‘estragadas’ por
demasiado afeto, são ‘estragadas’ por falta de disciplina”, sublinha Ana
Margarida Marcão.
Visto de uma perspetiva mais simplista, a
carência de abraços pode ser apenas uma questão de falta de tempo. “Os pais são
seres humanos, não são máquinas nem têm super poderes e há dias em que tudo o
que conseguem fazer, depois de terem passado o dia todo no trabalho, é
satisfazer as necessidades mais básicas, funcionais, das crianças:
alimentá-las, dar-lhes banho e pô-las a dormir a uma hora decente para
conseguirem repetir tudo outra vez no dia seguinte. O tempo e a disponibilidade
física, intelectual e emocional para estar atento e investir na transmissão de afeto
vai-se perdendo nos árduos dias de trabalho, que deixam aos pais apenas um
escasso tempo livre para serem pais”, lamenta a psicóloga, sugerindo que “a
única forma dos pais manterem um laço forte com as suas crianças é construir um
hábito quotidiano de conexão ou ligação: por exemplo, dar um abraço à criança
antes de a deixar na escola, quando a vai buscar e quando a põe a dormir”.
Porque quando os pais investem mais na ligação à criança “tudo muda”, lembra
Ana Margarida Marcão.
“O MEU PAI NUNCA ME ABRAÇOU!”
Quantas vezes terá sido repetida esta
frase em jeito de ressentimento, em desabafos confidentes ou em sessões de
terapia? Referida quase sempre com tristeza e mágoa, a carência de
desmonstrações de afeto na infância pode mesmo deixar marcas para a vida. “A
falta de afeto físico e intimidade emocional podem causar grande dor
psicológica a uma criança e essa dor pode persistir na idade adulta como a
causa subjacente de disfunção social”, confirma a psicóloga Ana Margarida
Marcão. E explica: “A consciência do corpo está relacionada com a consciência
emocional e intelectual. A falta de toque e espontaneidade emocional nas
famílias leva a que os indivíduos não aprendam a reconhecer as suas próprias
experiências emocionais”. Assim, podem vir a “reprimir as suas emoções, sofrer
de doenças psicossomáticas e/ou confundir a necessidade de simples afeto físico
com desejo sexual”. A ausência de demostrações de afeto e falta de toque
“conduz a ressentimento, raiva e à sensação de não se ser querido”. Por tudo isto,
as crianças “precisam ser tocadas e acarinhadas para desenvolverem intimidade
emocional”. E tudo pode começar com um abraço, sublinha a psicóloga.
INSTINTO MILENAR
Há séculos que as mães sabem,
instintivamente, que o toque tem um poder extraordinário: é através dele que
acalmam o bebé que chora, pegando-lhe ao colo, confortando-o nos braços, ou
massajando-lhe a barriga quando tem cólicas. Mais tarde, quando caem e se
magoam, não há curativo melhor do que um beijinho da mãe. Os estudos
científicos vêm apenas confirmar o que as mães já sabiam: o toque tem poderes
benéficos para a saúde e o bem-estar. E com esta crescente evidência, há cada
vez mais hospitais a incorporar terapias complementares, como as massagens, aos
protocolos para doentes oncológicos ou do foro cardiovascular, por exemplo. Os
efeitos não surgem só através de terapias mais sistematizadas, como a
reflexologia, mas de gestos tão simples como partilhar um abraço, fazer uma
massagem nos ombros ou simplesmente dar as mãos. Para perceber o poder do
toque, basta olhar, por exemplo, para o hábito milenar das mães indianas, que
massajam instintivamente os seus bebés, estimulando e fortalecendo o vínculo
entre os dois. Na realidade, a massagem Shantala é “só” um momento diário de
afeto entre a mãe e o bebé, que faz parte da rotina dos cuidados ao
recém-nascido, mas que resulta num desenvolvimento mais saudável e harmonioso
do bebé.
Sem comentários:
Enviar um comentário