Ninguém levantava a voz, mas quando era preciso a criançada era
posta na ordem
As crianças passam a maior parte
das suas vidas em escolas e creches e quanto mais pequenas mais tempo passam
nas creches e nas escolas. Se virmos bem, tirando os fins-de-semana e as
férias, elas só vão a casa comer, tomar banho, ver televisão e dormir. Ou seja,
as creches são muitas vezes as primeiras casas dos nossos filhos.
A primeira vez que entrei numa
creche para deixar o meu filho com dois anos foi um momento inesquecível:
dezenas de crianças do mesmo tamanho (grande parte delas a chorar) e divididas
por salas que iam dos meses de idade aos cinco anos. O meu filho lá ficou, a
chorar, e eu fui trabalhar com uma nuvem em cima da cabeça. Quando voltei para
o ir buscar disseram-me que ele tinha parado de chorado passado pouco tempo de
o ter abandonado, que tinha feito cocó duas vezes, que tinha comido bem e que
também tinha feito uma sesta razoável. Um dia ele deixou finalmente de chorar e
entregou-se ao destino. A creche tinha imensas crianças, imensas regras e
imensos horários. Nós, pais, sabíamos pouco do que ali se passava porque não
podíamos entrar na escola sempre que nos apetecia ou sem razão. O relato era
feito de tempos a tempos pela educadora, que nos ia informando da evolução nas
necessidades orgânicas da criança e pouco mais e a avaliação versava sobre
coisas como o desembaraço da criança a apertar os sapatos. Era à confiança. Era
tudo uma questão de confiança. Toda a gente me tratava por "mãe" e
para conversas mais prolongadas ou detalhadas marcava-se uma reunião. Fui
infeliz naquela creche. Apesar de ser uma excelente creche, com excelentes
instalações, educadoras com óptimos currículos e regras imbatíveis.
Até que descobri outra creche.
Nesta creche havia a sala de cima e a sala de baixo. Depois havia a oficina,
bicicletas sem pedais e com pedais, a cozinha, dois coelhos, pintos, duas
árvores a que se podia trepar e até areia. Ninguém me chamava "mãe",
tratavam-me todos pelo nome e ao meu filho tratavam pela alcunha. A natureza
das actividades variava: se estivesse bom tempo iam à praça, iam à serra, iam à
praia, pisavam uvas, iam ao parque dos baloiços, e se estivesse a chover faziam
bolos e bolachas, teatros, desenhos, o jogo das cadeiras e até havia o dia ao
contrário: as crianças iam de pijama para escola e começavam o almoço pela
sobremesa. No arraial do final do ano saltávamos todos à fogueira. Cada um
punha o seu lugar à mesa e só aos cinco anos é que começavam a fazer fichas.
Faziam os desenhos e as brincadeiras mais incríveis e por cada obstáculo que
conseguiam ultrapassar (subir a uma árvore ou andar de bicicleta, por exemplo)
organizava-se uma festa. No Natal éramos nós, pais, quem fazíamos figura de
parvos no teatro. Ali não havia regras imbatíveis e todos eram disciplinados.
Ninguém levantava a voz mas quando era preciso a criançada era posta na ordem.
Os meus filhos andaram lá todos e
chegavam mesmo a chorar quando não iam ao jardim infantil ou quando os iam
buscar. Eu entrava lá sempre que queria e conhecia os pais e os avós da
criançada toda. Este jardim-infantil ajudou-me a educar os meus filhos. Não os
educou por mim nem os entreteve por mim. Ajudou-me a educá-los e a fazer com
que cada dia que eles ali passaram fosse um dia feliz. E foram. Todos. Nunca
conheci nada parecido com O Pinhão, mas acho que todas as crianças deviam ter direito
a passar mais de metade da sua infância em sítios assim. Em que se dá mais
importância à brincadeira e à auto-estima de cada um deles do que ao
desembaraço a fazer os laços dos sapatos ou às fichas de ortografia. É que até
aos cinco anos, meus senhores, as crianças deviam passar os dias a brincar e
pouco mais.
Escreve ao sábado
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