
domingo, 22 de junho de 2014
INFÂNCIA EM FRANJAS: LIVRO PARA NOS CURAR DE SER GENTE GRANDE
INFÂNCIA EM FRANJAS: LIVRO PARA NOS CURAR DE SER GENTE GRANDE
publicado em literatura por Mônica Montone
Em seu décimo sétimo livro, Infância em franjas, a poetisa Astrid Cabral celebra o tempo em que todas as coisas são possíveis: a infância. Não se trata de um livro memorialista. Seus poemas falam da criança adormecida que existe em cada um de nós.
Tem dias em que a gente acorda duro para a poesia. A poesia dos livros, dos bichos, dos bicos serrados que alimentam distâncias.
É preciso acordar um pouco criança para ler poesia com olhos de ver. Acreditar que as estrelas fazem ciranda mesmo quando nos sentimos um zé-ninguém.
É preciso não precisar de nada, não esperar alguém - nem notícia, novidade ou carta - para ler poesia bem.
Porque a poesia nos traz, quase sempre, o que não estamos procurando. E procurar é arte que só gente grande faz - os pequenos não procuram nada, sabem que mamãe vai achar e se não achar é porque foi parar no mundo dos brinquedos sumidos e pronto.
É preciso estar vazio de um bocado de preocupação para ler poesia. Deve ser por isso que as "gentes grandes" lêem tão pouca poesia.
As "gentes grandes" quase nunca estão vazias de preocupação.
Desde o lançamento de Infância em franjas que venho carregando o livro de Astrid Cabral na bolsa, mas somente essa semana, quando me senti mais trêmula que maria-mole, mais dissolúvel que gelatina e leite em pó, e, mais vazia que um saco de pipoca amassado é que fui ter com seus poemas.
E não é que a criança de Astrid encontrou a minha!? Seu novo livro funcionou como uma compressa sobre minhas dores de gente grande (que não sou). Aplacou, ainda que por alguns instantes, minha pressa.
Perceber que também eu tive (tenho) Crenças caducas me fez lembrar o que havia esquecido: a infância é um estado de espírito.
Uma cratera tão funda
furando o chão norte a sul
Estrelas a me piscarem
de lá do altíssimo azul
Plantas e bichos falando
língua que eu entenderia
Caravelas me levando
a terras fora do mapa
Gente grande generosa
que tudo me ensinaria
Meu anjo da guarda que
seu rosto me mostraria
Astrid Cabral nasceu em Manaus, mas vive no Rio de Janeiro. É poetisa, constista e professora universitária. Foi casada com o poeta Afonso Felix de Sousa e tem mais de 17 livros publicados. Em 2004 recebeu o Prêmio Nacional de Poesia da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Rasos d`água.
Infância em franjas é um livro charmoso, quase artesanal, editado pela editora KD. Uma celebração ao tempo em que todas as coisas eram possíveis, que conta com uma pequena tiragem de apenas 300 exemplares e ilustrações de Mariana Felix.
Leitura para amolecer dias e corações duros.
Astrid-Cabral.jpg
Três poemas de Infância em franjas:
CASEMIRO, CASEMIRO
Ai que não tenho saudades
da infância bem lá pra trás!
Que raivas choros temores
junto a adulto senhores.
E as tarefas rotineiras
que não acabavam mais?
à sombra de rijas regras
e urubus nos beirais!
Ai vontade de crescer
ouvir conversas inteiras
tossir e espirrar na igreja
e sem melindres dizer
indesejáveis verdades!
Enfrentar a lei dos grandes
e encarar o fogo do inferno
como conversa de espertos.
CONSTANTE REBELDIA
Minha mãe? A idealista
domadora do caos.
Serva da beleza visível
paladina da perfeição
na insana luta cotidiana
contra lençóis amassados
sapatos desengraxados
laços desengonçados
e a obscena deselegância
de minhas pernas abertas
de minha gula sem regra
de meus hábitos malucos
de meus estudos noturnos.
Eu, a desatenta filha
pobre cabeça virada
para o mundo do invisível.
Ah! Indomável menina
desobediente mesmo
sem malévolo intento.
A constante rebeldia
diante de normas e leis.
Eu, cega a hierarquias
e à censura alheia.
Eu sempre de costas a
bom tom e boas maneiras.
Eu amante da liberdade
irmã de todos os pássaros.
NA CHUVA
Nunca entendi
os guarda-chuvas.
Sombrinhas, sim
abrigavam do sol.
Se o chuveiro do céu
se abria, queria banho.
Corria atrás de maiô
sabonete e pente.
Ávida penetrava
as frias cortinas d'água
rio em pé peneirando.
Fechava as pálpebras:
estrelas aterrissassem
faiscando em minha face.
Até que a voz antipática
me gritasse a ordem:
Já já pra dentro de casa.
(imagens: google)
>http://lounge.obviousmag.org/monica_montone/2014/06/infancia-em-franjas-livro-para-nos-curar-de-ser-gente-grande.html#ixzz35MYCNSWQ

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