segunda-feira, 25 de agosto de 2014

As escolas de hoje bastam? Documentário independente discute novas formas de educar


As escolas de hoje bastam? Documentário independente discute novas formas de educar

Financiado por mais de 400 pessoas pelo Catarse, o projeto “Quando sinto que já sei” está disponível no YouTube e tem mais de 60 mil visualizações

Por Andressa Basilio - atualizada em 20/08/2014 

Quando Sinto que Já Sei  (Foto: Divulgação)
Uma escola sem parede, sem divisão por classes ou turmas, sem lousa. Uma escola cujo aprendizado não se dá na dimensão de uma sala de aula, mas em tudo o que rodeia o aluno e, principalmente, na vivência de novas e constantes experiências de mundo. Propostas como esta estão começando a ganhar força no Brasil, cinquenta anos após o movimento da pedagogia crítica iniciado por um dos educadores mais respeitados do mundo, Paulo Freire.

Pensando em captar esse momento e ouvir as pessoas realmente interessadas em repensar a educação, Antonio Sagrado, Raul Perez e Anderson Lima, três jovens envolvidos com cinema, saíram pelo Brasil com poucos equipamentos e muitas ideias na cabeça. O resultado foi o documentário Quando Sinto que Já Sei, que estreou em 29 de julho e está disponível no YouTube, já com mais de 60 mil visualizações. https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg

O projeto começou a ser feito em 2011 e, em 2013, contou com a ajuda do Catarse  (ferramenta que estimula o financiamento coletivo) para ser concluído. Ao todo, foram 487 apoiadores, que doaram como puderam totalizando quase R$ 50 mil, valor necessário para cobrir os gastos com o filme, finalizar o trabalho, distribuir cópias para algumas escolas públicas e promover exibição e debate com alunos de várias regiões.

O documentário conta com 28 entrevistados e 10 projetos educacionais diferenciados, que buscam um modelo alternativo de ensinar crianças e adolescentes. “A proposta de Quando Sinto Que já Sei é levantar uma discussão sobre o atual momento da educação no Brasil. Carteiras enfileiradas, aulas de 50 minutos, provas, sinal de fábrica para indicar o intervalo, grades curriculares, conhecimento dividido em diferentes caixas. As escolas, como são hoje, oferecem os recursos necessários para que uma criança se desenvolva ou a transformam em um robô, com habilidades técnicas, mas sem senso crítico?”, escreveu Sagrado, um dos diretores, no texto do Catarse. Por trazer à tona uma discussão essencial para o Brasil, o projeto merece ser visto e revisto.

Para aguçar sua curiosidade, confira uma entrevista com o idealizador do documentário, que conta mais sobre o processo de produção, e algumas frases interessantes retiradas do documentário.
CRESCER: Você é formado em engenharia, né? Por que um engenheiro decidiu fazer um filme sobre educação?
António Sagrado: Em 2008, eu dava aula de informática para um casal de senhoras. Não lembro por qual motivo, mas o seu Raimundo me apresentou a biografia de Eurípides Barsanulfo, que falava bastante do lado educador dele. Fiquei muito entusiasmado com a escola que ele tinha criado, em 1902. Era muito vanguardista, não tinha série, nem divisão entre meninos e meninas, em uma época em que o colégio era só para elite. Foi quando comecei a procurar por escolas que tivesse alguma coisa inovadora no Brasil. Descobri a Escola da Ponte e fiquei encantado. Tive a oportunidade de visitá-la junto com o Raul Perez em 2011, quando estávamos em Portugal. Achei engraçado porque fui olhar no caderno de visitas e tinha muito mais brasileiros do que portugueses. Fiquei pensando naquilo: “Por que será que os brasileiros precisam vir na Escola da Ponte para buscar inspiração?”. Quando voltamos para o Brasil, começamos a pesquisar escolas que estavam repensando a pedagogia e começamos a gravar em janeiro de 2011.

C.: Quando o Catarse entrou nessa história?
A.S.: 
O projeto foi também uma escola de cinema. Na época, eu já tinha terminado a faculdade de engenharia e queria fazer cinema. Decidi que era melhor fazer um filme do que uma faculdade específica. Tanto para mim quanto para o Raul sempre foi um projeto voluntário e, como a gente já trabalhava com projetos colaborativos, só fazia sentido se o documentário também fosse produzido nesse esquema. De janeiro de 2011 a março de 2013, filmamos mais ou menos uns 60 ou 70% do material bancando tudo do bolso. Nessa época, conhecemos o Anderson Lima, num projeto de educação social em Goiás, que decidiu entrar no projeto. Em 2013, fizemos o Catarse para recuperar o dinheiro, mas também para conseguir ir a outros estados, como Bahia e Natal.

C.: Entre o processo de pesquisa e a conclusão do projeto foram três anos, certo? Você sentiu, durante esse tempo, que há cada vez mais pessoas interessadas em repensar os métodos tradicionais de ensino?  Como o documentário de vocês contribui para ampliar essa discussão?
A.S.:
 Acho que sim. Há um movimento crescente, tanto que, quando começamos a fazer o filme, ainda se falava muito pouco disso e mesmo assim era só a Escola da Ponte, pedagogia Waldorf ou a rede dos Românticos Conspiradores, mas que ainda sim era muito centrada no próprio [José] Pacheco. Nesse meio tempo, vimos mais filmes e livros serem lançados sobre o assunto, o que começou a fortalecer um movimento que estava mais escondido. Está crescendo até porque agora, com a tecnologia, é o momento de pensar em outras maneiras de mudar um sistema ultrapassado.  Eu acho que a nossa ideia sempre foi romper com essa bolha de quem já fala sobre o assunto. Claro que nos envolvemos muito com quem já tem um olhar especial para a educação, mas a nossa vontade sempre foi conversar com professor de escola pública, criar um diálogo com essas pessoas é fundamental. O surpreendente é que estamos conseguindo atingir bastante gente com as sessões do filme e com os debates. E elas vêm muito abertas para a discussão.
C.: Por que você acha que só agora iniciativas como as que vocês mostraram no documentário estão ganhando mais força? Considerando, é claro, que dois dos maiores pensadores da pedagogia moderna são brasileiros (Paulo Freire e Darcy Ribeiro) e começaram a espalhar suas ideias há mais de cinquenta anos.
A.S.:
 É, na verdade, um conjunto de fatores. Primeiro porque a educação é sempre um tema que atrai mais investimentos pelo lado de quem deseja transformar mesmo. A pessoa precisa topar investir sem a perspectiva de retorno, já que é um mercado muito indireto. Por isso, os investimentos ainda são muito pequenos perto de outras áreas com alto retorno financeiro. Além disso, só agora, com a escola tradicional não respondendo aos paradigmas de seu tempo, é que começamos a olhar para outros pontos. Junto a isso, há os fatores históricos ligados ao sucateamento da escola pública depois da ditadura. Também tem uma acomodação por parte de muitas pessoas, porque reinventar as coisas exige sair da zona de conforto, requer vontade e isso dá muito trabalho, ?
Frases retiradas do documentário "Quando Sinto que Já Sei" 
“Um médico do século XX entra na sala de cirurgia do século XXI. Ele consegue operar? Não. Ele mal consegue entender o que tem ali, onde é que está o paciente. Se um professor do século XX, ou XIX, entra na sala de aula do século XXI, ele vai achar muito diferente? Não vai. Vai ver a lousa, o giz, as carteiras enfileiradas, a lista de chamada, tudo conforme era no século XIX. A única coisa com a qual ele não contava era com a cabeça dos alunos do século XXI. E aí que mora o conflito”, Simone André, coordenadora de educação do instituto Airton Senna.
“A aprendizagem acontece em qualquer momento, e raramente acontece durante a aula. Eu penso que muito mais aprendizagem acontece no recreio do que durante a aula, isto é uma suposição minha”, José Pacheco, educador e idealizador da Escola da Ponte.
“Por que o professor não sai da mesa? Por que tem que ser ele o astro? Por que não o aluno? E fugir do sistema? Mas isso tem que ser uma revolução educacional no Brasil”. Dagmar Carroux, idealizadora do projeto Casa do Zezinho
“O sistema educacional dominante no mundo vende um produto que o cliente não quer receber e não pergunta a opinião do cliente, se ele gostou ou não. E o cliente é a criança”, Miguel Nicolelis, neurocientista.
“Quando você olha só para o lado vazio e investe nele, a solução não transforma. Porque a solução para o lado vazio é só encher. E aí isso não muda, porque esvazia de novo e vai embora. Por que a gente não olha para o lado cheio?”, Tião Rocha, educador e idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD).

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